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sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM 2ª INSTÂNCIA


A prisão após condenação em segunda instância reúne defensores e detratores, e cada lado tem seus argumentos, uns bons, outros nem tanto. Mas o fato é que essa discussão só ganhou vulto porque afeta diretamente o ex-presidente Lula — que, nunca é demais lembrar, responde a oito processos, já foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão num deles e vem cumprindo a pena desde abril. Duas outras ações em trâmite perante a 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, estão aguardando sentença. Na que trata da cobertura de SBC e do terreno onde seria construída a futura sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos desde antes das eleições; na que versa sobre o folclórico sítio em Atibaia, o prazo para alegações finais termina no próximo dia 7, após o que a juíza substituta Gabriela Hardt, que assumiu provisoriamente os casos da Lava-Jato com a exoneração de Sérgio Moro, pode sentenciar o molusco a qualquer momento.

Capitaneada pelo advogado estrelado Cristiano Zanin — genro do também advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e igualmente enrolado na Justiça penal —, a defesa do ex-presidente bombardeou implacavelmente todas as instâncias do Judiciário com mais de uma centena de apelos, que vão dos recursos ordinário, especial e extraordinário a pedidos de habeas corpus e chicanas de todo tipo (isso sem mencionar a batalha travada na esfera da Justiça Eleitoral, primeiro para postergar e depois para reverter a decisão do TSE de cassar a candidatura do petista, à luz do disposto pela Lei da Ficha-Limpa). Diante disso, a conclusão a que se chega é que, na visão dos nobres causídicos, o STF existe apenas para apreciar seus recursos. A propósito, diz um velho ditado que quem dá asas a cobra assume o risco de ela acreditar que pode voar... e sair voando. Para bom entendedor...

Um dos pilares da segurança jurídica é a jurisprudência assentada pelas cortes superiores, que não pode ser questionada a todo instante, muito menos atropelada pela vontade individual de algum magistrado, sob pena de transformar o sistema judiciário do País numa loteria. No limite, quando envereda pelo caminho da imprevisibilidade, esse sistema falha em sua tarefa de alcançar a pacificação social e ameaça até mesmo a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Na semana passada, como todos bem se lembram, o ministro Marco Aurélio decidiu suspender monocraticamente a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância. Com sua estapafúrdia liminar, o magistrado afrontou o princípio da segurança jurídica e deixou o país intranquilo diante da perspectiva de um ministro supremo, com uma única canetada, soltar quase 170 mil presos, dentre os quais o detento mais famoso do Brasil, o que certamente causaria tumulto e muita confusão, sobretudo às vésperas da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro.

A prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 até 1973, quando então a ditadura militar pressionou o Congresso a aprovar a Lei nº 5.941, (que ficou conhecida como Lei Fleury), garantindo a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. O objetivo dessa maracutaia era favorecer Sérgio Paranhos Fleury, delegado do DOPS, notório torturador e exterminador de militantes comunistas, mas o resultado foi o cumprimento da pena após a confirmação da sentença condenatória em segunda instância tornar-se regra geral.

Em 1988, a “Constituição Cidadã” ampliou esse benefício, estabelecendo a presunção de inocência até o julgamento do último recurso cabível, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença da sentença condenatória. A partir daí, a tradicional morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição — perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei —, favoreceu criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados a iniciar o cumprimento da pena “no dia de São Nunca”, dada a quantidade quase ilimitada de recursos, apelos e chicanas que podem ser impetradas nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim.

No STJ, porém, cristalizou-se o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). Isso faz muito sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

E assim foi até 2009, quando o STF mudou novamente as regras ao estabelecer que condenados em segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Coincidentemente ou não, isso aconteceu durante o processo do mensalão, que foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 — a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014 —, e quem liderou essa mudança no entendimento do Supremo foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula. Provocado pela imprensa a comentar o assunto no início deste ano, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”.

Mais adiante, o STF retomou o entendimento anterior — de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância — e o vem mantendo a dura penas (se me desculpam o trocadilho). No entanto, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso tornou-se real —, a corrente garantista da Corte (Lewandowski, Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello e o vira-casaca Gilmar) vem defendendo o status quo ante, o que representa séria ameaça à Lava-Jato e ao combate à corrupção em geral.

Quando a ADC do PCdoB— cujo julgamento parece ser um caso de vida ou morte para seu relator, o ministro Marco Aurélio — for levada a plenário, em abril do ano que vem, a ministra Rosa Weber tende a ser o fiel da balança. Pessoalmente, ela se diz contrária ao cumprimento antecipado da pena, mas, em suas decisões individuais, tem seguido o entendimento firmado pela maioria (por 6 votos a 5), em respeito ao princípio da colegialidade. Vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes, a pretexto de uma delirante cruzada contra as prisões preventivas alongadas (sobretudo no âmbito da Lava-Jato), passou de antipetista ferrenho e defensor incondicional do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância a laxante togado de quatro costados, como se pode inferir dos habeas corpus que vem agasalhando às baciadas, e de sua tonitruante cantilena louvando a proposta de Toffoli, que, em linhas gerais, defende a prisão dos condenados somente após a decisão de terceira instância.

O resto fica para a próxima postagem. 

domingo, 1 de abril de 2018

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Esta semana promete ser movimentada em Brasília, não só pela retomada do julgamento do HC de Lula no STF, marcado para a próxima quarta-feira, mas também pelos desdobramentos da investigação envolvendo amigos próximos a Michel Temer no caso da Rodrimar ― basta lembrar que esse imbróglio já resultou na quebra do sigilo bancário do presidente e na prisão temporária de 6 suspeitos de envolvimento, entre os quais o célebre Coronel Lima, suposto laranja de Temer, e do advogado José Yunes, amigão do emedebista desde os bancos acadêmicos. 

Por isso, resolvi aproveitar este domingo de Páscoa para esclarecer alguns pontos sobre a prisão após condenação em segunda instância, tema que vem dividindo opiniões no plenário da nossa mais alta corte. A propósito, vale lembrar que o entendimento atual foi avalizado pelo STF em fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, no julgamento do HC 126.292, que discutia a legitimidade de ato do TJ/SP, que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução da pena. Depois disso, a questão foi reexaminada outras duas vezes pelo plenário da Corte, mas o entendimento foi mantido, embora por um placar ainda mais apertado (de 6 votos a 5).

Com a condenação de Lula pelo TRF-4, petistas e outros defensores daquilo que menos presta nesta Banânia vêm pressionando a ministra Cármen Lúcia a levar novamente o assunto a plenário. E o pior é que essa caterva conta com o apoio de ministros da própria Corte, que parecem dispostos a tudo para proteger o criminoso de São Bernardo e, de quebra, restaurar a jurisprudência anterior, que permitia aos criminosos recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória (aliás, fala-se numa solução intermediária, que seria a prisão após se esgotarem os recursos na 3.ª instância, mas isso por enquanto é especulação).

O grande problema é que nossa Justiça tem quatro instâncias, e cada uma delas oferece um vasto cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas protelatórias. Assim, impedir o início do cumprimento da pena após decisão colegiada seria ferir de morte a Lava-Jato, cujo sucesso se deve em grande medida às delações premiadas, que dependem de conduções coercitivas, prisões preventivas e ameaça real de cumprimento da pena, sem o que os bandidos de colarinho branco dificilmente entregariam a rapadura. 

Mas não é só. Se o estapafúrdio salvo-conduto concedido a Lula no último dia 22 já estimulou Eduardo Cunha, Antonio Palocci, Geddel Vieira Lima e outros integrantes dessa “nobre confraria” a pleitear isonomia de tratamento, um tsunami de habeas corpus está por vir ― e não só de criminosos de colarinho branco, mas também de assassinos, estupradores, latrocidas, traficantes e outros pulhas que postulariam sua soltura e o direito a aguardar em liberdade o julgamento de seus recursos especiais/extraordinários.

Se a prisão em segunda instância voltar a ser debatida ― como vem insistindo o ministro Marco Aurélio, relator das ADCs 43 e 44 ―, se Gilmar Mendes mudar seu voto e se Rosa Weber não acompanhar o entendimento de Cármen Lúcia, Fachin, Barroso, Fux e Alexandre de Moraes, que são favoráveis à prisão em segunda instância, tudo voltará a ser como dantes no Quartel de Abrantes, quando a prescrição fulminava a expectativa de prisão dos apenados (especialmente dos que podiam contratar criminalistas de primeira linha). A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com nada menos de 120 recursos até seu cliente finalmente ser encarcerado, e o eterno deputado Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de empurrar o processo com a barriga por intermináveis 17 anos ― e agora está em prisão domiciliar, graças a uma decisão “humanitária” (e provisória, é bom lembrar), de Toffoli, que disputa com Mendes o epíteto de laxante togado.

Mas a coisa nem sempre foi assim. No começo era o Caos (ou pelo menos é o que diz o Velho Testamento), mas mesmo antes já devia haver políticos, pois ninguém melhor que eles para criar o caos... a não ser, talvez, certos ministros tendenciosos, que colocam a ideologia partidária acima da Lei e prestam vassalagem a quem os indicou para o cargo que ora ocupam. A propósito, eu já comentei que considero a atual composição do STF a pior de todos os tempos, e não apenas porque 7 dos 11 membros da Corte foram indicados pelo criminoso de São Bernardo e pela anta sacripanta que ele conseguiu emplacar como sua sucessora. Mas isso é conversa para outra hora.

Passando ao que interessa, de 1941 a 1973 a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira instância. Naquele ano (e sob a égide da ditadura militar), a Lei nº 5.941 ― que acabou ficando conhecida como como Lei Fleury, porque foi criada de encomenda para favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Paranhos Fleury ― alterou o Código de Processo Penal e garantiu a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. A partir de 2009, talvez como consequência serôdia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados só eram presos após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, depois de esgotados todos os recursos até a última instância do Judiciário (o que na prática é no "dia de São Nunca). Até que, em 2016, o STF restabeleceu a norma da execução da pena após a condenação em segunda instância.

Assim, em 70 dos últimos 77 anos os criminosos eram presos após a condenação em primeira ou segunda instâncias ― como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de condenados bem situados social e economicamente, capazes de arcar como honorários milionários de criminalistas estrelados e assim postergar sua prisão até o advento da prescrição. Portanto, salta aos olhos que ressuscitar essa norma de exceção não só beneficiaria o ex-presidente Lula, mas também um sem-número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que foram apanhados pela Lava-Jato ou estão a caminho de sê-lo.

Noto agora que este texto ficou mais longo do que eu gostaria, de modo que vou deixar a conclusão para a próxima postagem. Ainda assim, tomo mais alguns minutos do leitor para explicar melhor o que é prescrição e, de passagem, abordar outros termos correlacionados. Acompanhe:

No jargão jurídico, prescrição designa a perda de uma pretensão pelo decurso do tempo, e pode ser conceituada como a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei. Criminalistas chicaneiros são especialistas em retardar o andamento processual mediante a interposição de recursos meramente protelatórios. Assim, uma vez operada a prescrição, seus clientes, mesmo reconhecidamente culpados, não poderão ser devidamente punidos. Já decadência remete à perda de um direito potestativo pelo decurso de um prazo fixado em lei ou convencionado entre as partes. Em seu sentido mais estrito, ela traduz o perecimento do direito da ação penal pelo decurso do prazo ― ou seja, se alguém tem um direito violado, mas demora a buscar a devida reparação, deixará de poder fazê-lo depois de transcorrido determinado lapso de tempo. Vale salientar que o objeto da decadência é o direito, diferentemente da prescrição, que atinge a pretensão. A perempção, por sua vez, é definida como um fenômeno processual extintivo da punibilidade em ações penais de iniciativa privada, caracterizado pela inatividade, omissão ou negligência do autor na realização de atos processuais específicos. Em outras palavras, trata-se da perda do direito do autor de renovar a propositura da mesma ação ― e ainda que cause a perda do direito de ação, nada impede que a parte invoque seu eventual direito material em defesa, quando sobre ele vier a se abrir processo por iniciativa da outra parte. Há ainda a preclusão, que decorre do fato de o autor ou réu não ter praticado um ato processual no prazo em que ele deveria ser realizado (diferentemente das demais hipóteses, ela não atinge o direito de punir), e a perempção, que remete à perda do direito de ação do autor que abandonou a causa.

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sábado, 5 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE V)

 

A prisão após condenação em primeira instância foi regra geral de 1941 até 1973, quando então a Lei nº 5.941, (que ficou conhecida como Lei Fleury por ter sido criada sob medida para favorecer o delegado torturador e exterminador de militantes comunistas Sérgio Paranhos Fleury) passou a garantir que réus primários e com bons antecedentes pudessem aguardar em liberdade a decisão da segunda instância.

Em 2009, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não era obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, limitando a prisão antes do trânsito em julgado a situações em que sua decretação se dá a título cautelar. 

O entendimento anterior foi restabelecido sete anos depois, quando então ficou estabelecido que a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado e autorizado, consequentemente, o início do cumprimento provisório da pena.

Exceção feita ao período compreendido entre 2009 e 2016, os criminosos eram presos assim que fossem condenados em primeira ou em segunda instância — conforme acontece na maioria das democracias do Planeta. Mesmo tendo vigido por apenas 7 anos, a obrigação de aguardar o trânsito em julgado favoreceu um sem-número de criminosos de colarinho branco — que geralmente têm cacife para contratar criminalistas especializados em empurrar os processos até que a prescrição fulmine a pretensão punitiva estatal.

Operada a prescrição, os réus, mesmo reconhecidamente culpados, livram-se da punição, o que é um acinte num país em que, a pretexto de assegurar ao acusado o direito à mais ampla defesa, quatro instâncias do Judiciário oferecem um vasto cardápio de apelos, recursos, embargos e toda sorte de medidas eminentemente protelatórias.

Atribui-se a Otto Von Bismarck a máxima segundo a qual "os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis", e a Augusto Nunes a de que "o Brasil é um país com muitas leis e falta de vergonha na cara". Ocorre que é impossível viver em sociedade sem a observância de determinadas regras, como a de que o direito de um termina onde começa o direito do outro, e vice-versa.

Em tese, as leis deveriam ser feitas com vistas a melhorar a vida das pessoas. No Brasil, a maioria das normas jurídicas não melhora coisa nenhuma. Pelo contrário: consegue piorar tudo, até porque os legisladores — agentes público-políticos que integram o poder Legislativo nas esferas municipais, estaduais e federal — atuam como os açougueiros de Bismarck com suas salsichas. 

Trata-se de uma luta desesperada pela sobrevivência do Brasil velho, corrupto, subdesenvolvido e desigual, paraíso dos parasitas da máquina pública, da venda de favores e dos privilégios para quem tem força, inimigo do trabalho, do talento e do mérito individual. Como dizia Einstein, nada destrói tanto o respeito pelos governos como sua incapacidade de fazer com que as leis sejam cumpridas. Esse é o risco que foi construído no Brasil, e, para piorar, alguns membros das cortes superiores fazem o oposto do que é sua obrigação.

Vivemos numa democracia representativa, onde “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, e a população interfere no funcionamento do governo através do voto (pausa para as gargalhadas). Os três Poderes da República são instituições independentes, cada qual com suas funções específicas. 

Congresso Nacional, que é composto pela CâmaraSenado TCU, tem como principais atribuições votar medidas provisórias, vetos presidenciais, LDOs e o Orçamento Geral da União, dar posse ao presidente da República e a seu vice, e autorizá-los a se ausentar do país por período superior a 15 dias. 

Grosso modo, cabe à Câmara Federal elaborar e revisar as leis (de acordo com as demandas populares e os ditames da Constituição), analisar a admissibilidade dos pedidos de impeachment em desfavor do presidente da República, e ao Senado, aprovar a escolha de magistrados, ministros do TCU, presidentes e diretores do Banco Central, embaixadores e o procurador-geral da República, bem como elaborar projetos de lei e avaliar e aprovar ou rejeitar projetos propostos pelos deputados federais ou pelo Executivo.

ObservaçãoAs atribuições do Congresso estão especificadas nos artigos 48 e 49 da Constituição. Aquelas elencadas no primeiro exigem a participação do Executivo — mediante sanção presidencial —, ao passo que as do segundo tratam de competências exclusivas do Congresso, estabelecidas por meio de Decreto Legislativo. Os presidentes da Câmara e do Senado são eleitos por seus pares e têm mandatos de dois anos — apesar de não poderem ser reconduzidos aos mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente ao mandato, prevalece o entendimento de que essa proibição não se aplica quando se trata de uma nova legislatura, de modo que sua reeleição é, sim, possível.

A questão que se coloca é: como respeitar o poder público se o Código Penal diz que é proibido praticar crimes, mas o STF decide impedir a punição dos crimes praticado? Vejam o caso da Lava-Jato, da "suspeição" do ex-juiz Sergio Moro, das condenações de Lula — o molusco cumpriu míseros 580 dias dos mais de 25 anos a que foi condenado em dois processos até ser transformado em "ex-corrupto" e poder dizer aos convertidos que foi absolvido (quando na verdade não foi) porque era inocente (quando na verdade não era).

Vivemos numa democracia claudicante, mas regida por leis que podem ser boas ou ruins, necessárias ou inúteis, razoáveis ou estúpidas. Se causam mais mal do que bem, as leis devem ser revogadas e substituídas por outras que as corrijam. Mas é fundamental que sejam cumpridas por todos e aplicadas a todos da mesma forma e com os mesmos critérios — seja o meliante ex-presidente da República ou punguista de feira, megaempresário ou ladrão de galinhas, médico-estuprador ou corretor zoológico —, e que as decisões tomadas hoje para este ou aquele caso ou circunstância sejam iguais às que serão tomadas amanhã em casos e/ou circunstâncias análogas.

Qualquer pessoa com o Q.I. de um repolho compreende a lógica de um sistema assim, mas nossos homens públicos preferem a morte a sujeitar-se à previsibilidade da lei. E ninguém trabalha tanto para manter a insegurança jurídica no Brasil do que o próprio Poder Judiciário. Como esperar, então, coerência, lógica ou respeito às leis se procuradores, promotores, juízes, desembargadores e ministros são os primeiros a rasgar essas leis quando se trata de aplicá-las a si mesmos ou a seus “bandidos preferidos”?

Continua...

segunda-feira, 29 de abril de 2019

AINDA SOBRE O JULGAMENTO DO REsp DE LULA E A CONTROVÉRSIA SOBRE O CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Ao dar provimento parcial ao REsp de Lula, o STJ quebrou um paradigma, antecipou a possibilidade de progressão para o regime semiaberto e botou água na fervura do caldeirão do STF, que agora pode cozinhar em fogo brando a questão da prisão após condenação em segunda instância. De resto, quase nada mudou.

Por unanimidade — ou melhor, com os votos de quatro dos cinco integrantes da 5ª Turma, já que o ministro Joel Paciornik havia se declarado impedido e não participou do julgamento — a pena de Lula foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias, ficando mais próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (9 anos e 6 meses), mas que o TRF-4 aumentaria para 12 anos e 1 mês. Já a culpabilidade tachada do réu foi (mais uma vez) reconhecida, e o dito-cujo continua hospedado compulsoriamente em sua cela VIP — regalia que já nos custou inacreditáveis R$ 3,6 milhões.

Observação: Por quebra de paradigma, entenda-se a mudança do comportamento da Turma, que até então vinha mantendo a maioria das decisões do TRF-4 nos recursos oriundos de processos da Lava-Jato. De se estranhar a “mudança de entendimento” do ministro Felix Fisher, que no final do ano passado negou monocraticamente o mesmo recurso que agora acolheu parcialmente — diz O Antagonista que isso se deveu à pressão de togados supremos, e o fato de os demais ministros terem acompanhado o voto do relator, divergindo somente quanto aos dias-multa e a reparação de danos (cada dia-multa equivale a 5 salários-mínimos), leva a crer que a suspeita faz sentido.

Nem Lula, nem seus advogados, nem o PT, nem os cerca de 60 gatos pingados que participaram da chamada vigília Lula-Livre comemoraram o resultado, pois esperavam (ou desejavam) a anulação da condenação ou a remessa do processo para a Justiça Eleitoral. Aliás, para a choldra petista, que não veria provas contra o seu amado líder nem que elas lhes mordessem a bunda, a absolvição seria a única decisão justa e acertada. Só que não. O ex-presidente, nunca é demais lembrar, não é um preso político, mas um político preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No mais, não havia, mesmo, o que comemorar. Agora, são oito magistrados de três instâncias a chegar ao mesmo veredicto, o que aniquila a fantasia de que o petista é vítima de perseguição política e reduz a zero uma das últimas esperanças da defesa no processo do tríplex. Os advogados sabiam que a possibilidade de absolvição era considerada remotíssima e trabalharam ao longo de meses para conseguir pelo menos um voto favorável, visando abrir caminho para uma discussão no Supremo. Mas nem isso deu certo. A defesa levantou dezoito teses jurídicas para tentar anular a condenação, incluindo a suspeição do ex-juiz Moro e dos procuradores da Lava-Jato, uma suposta falta de provas, a prescrição do caso, o cerceamento de defesa e a dupla condenação pelo mesmo crime. Todas foram rejeitadas.

A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.

ObservaçãoTão logo o TRF-4 confirmar a sentença da juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o sítio em Atibaia, Lula deixará de ser réu primário, e a somatória das penas postergará a progressão para semiaberto. Isso sem falar nos outros processos a que ele responde (clique aqui para mais detalhes sobre as demais ações que tramitam contra ele na Justiça Federal do Paraná, do Distrito Federal e de São Paulo).

Após a condenação no STJ, uma eventual mudança na jurisprudência do Supremo sobre o cumprimento antecipado da pena após a condenação em segunda instância deixa de favorecer o criminoso. Esse assunto já deu no saco, mas não há como evitá-lo, até porque as três ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que se encontram sob relatoria do ministro Marco Aurélio, defensor atávico da prisão somente após o trânsito em julgado, deverão voltar à pauta do Supremo no segundo semestre. Mas é indiscutível que a decisão da última terça-feira contribuiu para reduzir a pressão. Além disso, é possível que o Congresso pacifique essa questão antes mesmo de a Corte julgar as tais ADCs, já que a aprovação de um projeto de lei dispondo sobre o tema faria com que elas perdessem o objeto — e evitariam um desgaste ainda maior do STF, que não tem como agradar simultaneamente as alas punitivista e garantista. 

Em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que os deputados devem votar a prisão após a condenação em segunda instância ainda em 2019. “Nós não temos por que, depois de agora a terceira instância ter decidido sobre o presidente Lula, a gente não precisa fugir desse debate mais, porque esse debate era um debate muito acalorado. Agora, eu acho que a razão vai prevalecer em um tema que a sociedade demanda do Parlamento, uma decisão definitiva sobre o assunto”, disse ele.

No Legislativo, o assunto tramita em formatos diferentes. O pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro é um projeto de lei, e as propostas do deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro-chefe da Casa Civil, e do deputado Alex Manente, do Cidadania de São Paulo, preveem a mesma mudança por PEC. Alguns deputados entendem que aprovar a prisão após a condenação em segunda depende de uma mudança na Constituição, mas Moro afirma ser possível implementá-la via projeto de lei, porque já há decisão do Supremo sobre a segunda instância. A conferir.

Muito já foi dito e repetido aqui no Blog sobre essa controvérsia, mas vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 a 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Em 2009, no frigir dos ovos do julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para saber mais sobre essa mixórdia, clique aqui).

Tudo somado e subtraído, nos últimos setenta anos — excetuando-se o período de 2009 a 2016 — os criminosos eram presos depois de condenados em primeira ou em segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de meliantes com cacife para contratar criminalistas renomados, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. Vale lembrar que a defesa de Luis Estevão apresentou nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos.

Curiosamente, Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. Sete meses depois, no entanto, o próprio Mendes passou a acolher os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese ora defendida por Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste vídeo).

Observação: A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Salvo melhor juízo, duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final.

Quando essa polêmica se instalou no Supremo, em 2016, as condenações envolvendo crimes do colarinho branco revelados pela Lava-Jato ficaram sob as luzes da ribalta, e o ator principal sempre foi Lula, ora condenado em terceira instância. A diminuição de sua sombra sobre esse debate enseja o enfrentamento da questão em todos os seus aspectos, quais sejam a solução da controvérsia jurídica, a gestão eficiente do sistema de Justiça e o fim de um impasse institucional que paralisa a suprema corte. Agora, porém, decida o STF manter a jurisprudência atual ou passar a admitira prisão somente após a condenação em terceira instância, nada mudará para o petralha.

É natural, portanto, que a recente decisão do STJ seja vista com preocupação pelos petistas. Mesmo com a determinação da defesa de recorrer da decisão, ficou ainda mais remota a chance de uma reversão da pena, seja no próprio STJ, seja no STF. Confirmou-se, pois, o pior cenário para os petistas: depois de ser condenado por Moro, depois pelo TRF-4 e agora pelo STJ, “narrativa do PT” de que Lula é um perseguido político da Justiça no Brasil, que queria impedir a candidatura dele em 2018, já não se sustenta (se é que um dia se sustentou). Como no TRF-4, o ex-presidente foi condenado na terceira instância por unanimidade, e os ministros também rejeitaram alegações de falta de provas e de que a defesa teria sido cerceada. Como já foi dito, a progressão para o regime semiaberto ainda neste ano periclita ante a possibilidade de futuras condenações — Lula responde a outro seis processos na Justiça Federal do Paraná, Brasília e São Paulo —, sobretudo se o TRF-4 ratificar sua condenação no caso do sítio em Atibaia.

E Lula lá!

segunda-feira, 1 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA


O físico italiano Carlo Rovelli resumiu a Teoria de Relatividade com a seguinte frase: ”o tempo passa mais rápido na montanha e mais devagar no vale”. Mas não foram as peculiaridades do tempo-espaço que ajudaram Michel Temer a atrasar o relógio da Justiça e evitar ser preso em 2016, antes de ascender à Presidência.

Segundo esta reportagem, o MPF tinha conhecimento de uma série de malfeitos do estrige emedebista quando o impeachment da gerentona de araque estava em curso. Mas naquela época o hoje presidiário Eduardo Cunha presidia a Câmara, o mega investigado Renan Calheiros comandava o Senado e Ricardo Lewandowski era o presidente do Supremo. Deu para entender ou quer que eu desenhe?
O mundo dá voltas, ainda que não na velocidade da luz. Temer, alvo de pelo menos 10 inquéritos (e contando...) e denunciado três vezes no exercício da Presidência (duas por Rodrigo Janot e uma por Raquel Dodge), deixou o cargo e a proteção legal que este lhe garantia às vésperas de o Legislativo, o Judiciário e o MPF deram início a uma monumental queda de braço, e acabou sendo preso por determinação do juiz federal Marcelo Bretas — e solto cinco dias depois por decisão liminar de um veterano especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato, mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz nossa “Constituição Cidadã”).

Numa única semana, o ex-presidente se tornou réu no caso da mala de Rocha Loures  e foi denunciado mais duas vezes por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. Se nossa Justiça honrasse a espada que empunha e nossos julgadores, a toga que vestem (alguns sobre a fada de militante), ele estaria jogando palitinho com Eduardo Cunha há muito tempo. Mas vivemos num país onde quatro deputados que estão presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar tomam posse normalmente; um país onde se passam meses, anos, décadas sem que se descubra quem encomendou o atentado contra Jair Bolsonaro, quem mandou executar Marielle Franco ou como morreram Teori Zavascki, Eduardo Campos, Celso Daniel, Toninho do PT, PC Farias, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas; um país onde se vai dormir com Lula na cadeia e corre-se o risco de acordar na manhã seguinte com o pulha em prisão domiciliar.
Às vésperas de o STF discutir (mais uma vez) o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância — tema especialmente caro ao ministro Marco Aurélio, que a ex-presidente Carmen Lúcia evitou revisitar, mas que Dias Toffoli pautou para o próximo 10 —, o comandante da ORCRIM pode ser favorecido pelo STJ, sobretudo no que se refere à pena aplicado por lavagem de dinheiro. Num país sério, a “plausibilidade” de reforma da sentença seria uma falácia, mas nesta banânia ela vem servindo de argumento para a ala dita garantista do STF reverter os ganhos produzidos pela Lava-Jato nos últimos 5 anos. 

Dentre outros itens, pacote anticrime e anticorrupção do ministro Sérgio Moro incluiu a criação de uma lei que vincule o início do cumprimento da pena à sentença condenatória prolatada por um juízo colegiado. O problema é que, para além da habitual morosidade do Congresso (a quem compete aprovar o projeto), Moro bate de frente com os interesses dos parlamentares corruptos. E como se isso já não bastasse, daqui a 10 dias o Supremo volta a discutir a prisão em segunda instância, de modo que só nos resta rezar para que a ministra Rosa Weber não mude de lado e o placar se mantenha em 6 a 5.

De 1941 até 1973, condenados cumpriam a pena tão logo a sentença fosse proferida pela primeira instância (o réu podia recorrer, naturalmente, mas deveria aguardar preso o resultado do apelo). Isso mudou quando o Congresso, pressionado pela ditadura militar (aquela que muita gente diz não ter existido), aprovou a Lei Fleury, que concedia a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. Em 1988, por obra e graça da nossa “Constituição Cidadã”, ficou decidido que só se veria o sol nascer quadrado depois do julgamento do último recurso cabível. Em tese, isso é muito bonito; na prática, a morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição (perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei), favorece os criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados, que só começam a cumprir a pena “no dia de São Nunca”.

Mais adiante, cristalizou-se no STJ o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). O que faz sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

Isso valeu até 2009, quando o STF mudou (novamente) as regras do jogo, determinando que condenados na segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. Vale lembrar que o processo do mensalão foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 (a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014), e quem liderou a mudança foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula (deu pra entender ou eu preciso desenhar?). Questionado sobre o assunto no ano passado, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”).

Mais adiante, o STF retomou o entendimento de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. Todavia, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso se tornou real —, a ala “garantista” da Corte passou a defender a prisão somente após o trânsito em julgado da condenação.

Continua na próxima postagem.

domingo, 16 de setembro de 2018

TOFFOLI PRESIDENTE DO STF — E AGORA, JOSÉ?


Na última quinta-feira, José Antonio Dias Toffoli, aos 50 anos de idade, entrou para a história do STF como o ministro mais jovem a presidir a Corte (seu mandato irá até setembro de 2020, quando Luiz Fux assumirá o posto pelo próximo biênio). Para alguns, ele será um “conciliador”, enquanto outros o têm na conta de militante petista travestido de magistrado supremo. A quem assiste razão, só o tempo dirá. Mas o caminho que Toffoli trilhou até chegar onde chegou acende uma profusão de luzes vermelhas. A começar por sua nomeação para o Supremo, na vaga aberta com a morte do ministro do STF Menezes Direito, que causou surpresa, perplexidade e crítica, não só pela pouca idade do indicado, mas também por abrilhantarem seu “invejável currículo” duas reprovações em concursos para juiz de primeiro grau e uma total inexpressividade no meio jurídico. A rigor, suas credenciais eram ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União no governo do comandante máximo da ORCRIM (clique aqui e aqui para mais detalhes).

Observação: A indicação do “cumpanhêro” foi (mais) uma demonstração cabal da falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, Toffoli limitava a prestar serviços prestados ao PT. Uma vez no Supremo, sem os laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, ele buscou apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político —, e uma vez consolidado no habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho ― a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível.

Veja (surpreendentemente) elogiou o discurso de posse em que Toffoli falou em “convivência harmoniosa de diferentes opiniõesprecisamos nos conectar cada vez mais com o outro; afetividade; sensibilidade; empatia; voluntariado; gentileza e cordialidade com o próximo; amor; viralizar a ideia do mais profundo respeito ao outro, da pluralidade e da convivência harmoniosa de diferentes opiniões, identidades, formas de viver e conviver uns com os outros”. Particularmente, concordo com o historiador Marco Antônio Villa, para quem a cerimônia de posse foi patética (detalhes neste vídeo).

A “pacificação” do STF seria bem-vinda, já que a polarização político-partidária — fruto do nefasto “nós contra eles” fomentado por Lula e seus acólitos — dividiu os membros da Corte em “punitivistas” e “garantistas” e instaurou o dissenso entre eles. Prova disso são as votações plenárias terminarem frequentemente com o placar de 6 votos a 5 — não raro após debates acirrados entre Mendes e Barroso — e a avalanche de decisões monocráticas em total desacordo com o entendimento colegiado, sobretudo no que concerne ao cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Só que a “Pax Toffoliana” não tem o espírito da democracia; pelo contrário: limita-se aos poderosos, que precisam antes da impunidade que da cidadania.  

Há quem defenda a rediscussão das famigeradas ADCs — que Cármen Lúcia evitou pautar enquanto ocupou a presidência do STF — como forma de minimizar a insegurança jurídica, mas o momento não poderia ser menos propício. Aliás, o próprio Toffoli demonstra ter consciência disso quando diz a interlocutores que “o caso Lula precisa decantar”. 

O tema é controverso e suscita discussões acaloradas entre defensores e detratores. A meu ver, o grande “xis” da questão é a nossa Justiça ter quatro instâncias e cada uma delas oferecer um amplo cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas protelatórias. Se a prisão em segunda instância voltar a ser debatida — como vem insistindo o ministro Marco Aurélio, relator das ADCs 43 e 44 —, Gilmar Mendes mudar seu voto e Rosa Weber não acompanhar o entendimento de Cármen Lúcia, Fachin, Barroso, Fux e Alexandre de Moraes, que são favoráveis à prisão em segunda instância, tudo voltará a ser como dantes no Quartel de Abrantes, quando a prescrição fulminava a expectativa de réus defendidos por criminalistas estrelados. 

A título de exemplo, os advogados de Luiz Estevão ingressaram com nada menos de 120 recursos até o ex-senador e empresário milionário ser finalmente encarcerado, e o eterno deputado Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de empurrar o processo com a barriga por intermináveis 17 anos (todavia, graças a uma decisão “humanitária” do ministro Dias Toffoli, o turco lalau foi beneficiado com a prisão domiciliar, onde passa muito bem, obrigado, em sua cinematográfica mansão no bairro dos Jardins (região nobre da capital paulista), a despeito dos alegados problemas seriíssimos de saúde.

Observação: De 1941 a 1973, a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira instância. Sob a égide da ditadura militar, a Lei nº 5.941 ― que acabou ficando conhecida como como Lei Fleury, já que foi criada de encomenda para favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Paranhos Fleury ― alterou o Código de Processo Penal e garantiu a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. A partir de 2009, talvez como consequência serôdia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados passaram a ser presos somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória (o que na prática significa no dia de São Nunca), até que, em 2016, o STF restabeleceu a norma da execução da pena após a condenação em segunda instância. Assim, a prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de condenados com condições de pagar honorários milionários a criminalistas estrelados e postergar sua prisão até o advento da prescrição. Portanto, ressuscitar essa norma de exceção beneficiaria não só o pulha de Garanhuns, mas um sem-número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que foram apanhados pela Lava-Jato ou estão a caminho de sê-lo.

Voltando a Toffoli, sua posse reforça um discurso de que uma eventual vitória do pau-mandado de Lula não só abriria as portas da cadeia (aliás, Ciro Gomes também já admitiu publicamente a possibilidade de conceder um indulto ao criminoso de Garanhuns) como permitiria que o pulha vermelho voltasse a dar as cartas no Planalto, o que seria no mínimo funesto para este pobre país. Vale lembrar que a segunda sentença de Moro num processo envolvendo Lula deverá ser proferida ainda este ano, mas, por motivos que me parecem óbvios, somente depois do segundo turno das eleições.

Ao definir pauta do STF para a segunda quinzena deste mês, Toffoli preferiu evitar temas polêmicos e tratar de questões de impacto social e ambiental. Na primeira sessão sob seu comando, marcada para a próxima quarta-feira (19), serão discutidos o uso de aeronaves para o lançamento de substâncias químicas no combate ao mosquito aedes aegypti e uma lei estadual do Amapá que trata de uma licença ambiental única para atividades e empreendimentos de agronegócio. 

Como dito linhas atrás, tudo indica que o novo “guardião da pauta” não deverá contemplar, pelo menos por enquanto, as polêmicas ações que discutem a possibilidade de execução provisória de pena após condenação em segunda instância, até porque isso desgastaria (ainda mais) a imagem do tribunal em pleno período eleitoral. O lado bom de sua promoção, digamos assim, é que, ao assumir a presidência, Toffoli deixou de fazer parte da 2ª Turma da Corte, onde formava com Gilmar Mendes (*) e Ricardo Lewandowski o “trio assombro togado” que tantas derrotas impôs ao relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin. Com o retorno da ministra Cármen Lúcia, a maioria se inverte e a Turma deixa de ser o “jardim do Éden” dos criminosos assistidos por advogados estralados. Ou pelo menos é o que esperamos.

(*) Na última sexta-feira, Gilmar Mendes mandou soltar o ex-governador do Paraná e candidato ao Senado pelo PSDB Beto Richa, bem como sua mulher, Fernanda Richa, e outros 13 suspeitos de integrar esquema de propina, direcionamento de licitações de empresas, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça. Os advogados do tucano embasaram o pedido de habeas corpus no uso da prisão temporária em substituição à condução coercitiva. O purgante de toga entendeu que a ordem de prisão aparentava ser "manifestamente inconstitucional" e reconheceu "indicativos de que tal prisão tem fundo político, com reflexos sobre o próprio sistema democrático e a regularidade das eleições que se avizinham”. Dias antes, Mendes comentou a atuação de procuradores na operação que levou Richa à prisão e em ações apresentadas no mês passado à Justiça contra os presidenciáveis Fernando Haddad e Geraldo Alckmin. Na visão do conspícuo magistrado, teria havido “notório abuso de poder” porque ações como essas do Ministério Público, há semanas das eleições, interferem no processo eleitoral, o que “não é bom para a democracia”. Vamos ver quanto tempo ainda vai levar para o ministro-deus soltar Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro — aliás, se o candidato do PSL tivesse sido atendido pelo SUS, talvez já estivéssemos noticiando sua missa de sétimo dia).

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sábado, 19 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O SEGREDO DE POLICHINELO — PRIMEIRA PARTE


Ao trilar do apito supremo do supremo togado que preside os demais togados supremos (melhor dizendo, que coordena os trabalhos da suprema corte, como fez questão de frisar o ministro Marco Aurélio), iniciou-se mais um supremo jogo de cartas marcadas. A partida foi adiada, mas, a menos que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos, a vitória do supremo time favorito está garantida  ou seja, ao final de mais essa batota, será conhecido somente o supremo placar.

Como tuitou o jurista Modesto Carvalhosa, a aberração jurídica do nosso pretório excelso nesse teatro do absurdo é uma quebra do sistema penal e está criando uma grave crise institucional ao deixar de atender aos interesses legítimos da sociedade e passar a desagregar o próprio Estado Democrático de Direito. O jornalista, acadêmico e comentarista político Merval Pereira, por seu turno, comparou essa celeuma suprema a um episódio ocorrido em 1827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos, jornalista e deputado do Império, subiu à tribuna para criticar o que considerava um excesso de recursos no sistema judicial brasileiro. Passados 192 anos, ainda não se chegou a uma conclusão.

Não tenho como não relembrar mais uma vez, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, que esse imbróglio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação foi uma questão de somenos enquanto políticos de alto coturno não eram alcançados pelo braço da lei. É certo que existe um dispositivo na famigerada Constituição Cidadã que dá guarida à tese dos garantistas de araque, mas é igualmente certo que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o então chefão do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Herança de nossa colonização portuguesa, essa profusão de instâncias recursais chegou a cinco: a primeira, uma segunda, que era o Tribunal da Relação, uma terceira, a Casa da Suplicação, uma quarta, o Supremo Tribunal de Justiça, que originou o STF, e a graça Real — o último recurso, que era endereçado diretamente ao Rei. O retro mencionado Bernardo de Vasconcelos, autor do projeto legislativo do Código Criminal do Império, defendia que os recursos não deveriam suspender a condenação, exceto em pena de morte: “o contrário é estabelecer o reinado da chicana”.

A Constituição de 1824 e o sistema recursal do Império só admitiam duas instâncias — a do juiz monocrático e a do tribunal da relação como corte de apelação. Reagia-se contra o excesso de recursos do Antigo Regime, visto como garantidor de privilégios e impunidade. Daí termos hoje 4 instâncias, sendo a última o STF, que, de corte constitucional, passou a ser a um só tempo uma espécie de Valhala na Asgard tupiniquim e uma curva de rio, onde se acumula todo tipo de porcaria.

O código de Bernardo de Vasconcelos representou a primeira codificação criminal autenticamente nacional, definindo princípios hoje consagrados em toda legislação criminal do ocidente: princípio da legalidade, anterioridade, proporcionalidade e cumulação das penas, assim como a imprescritibilidade. Juristas estrangeiros aprenderam português só para lê-lo no original, que inovou em vários aspectos, entre os quais o da maioridade penal, que não era abordada por nenhum código ocidental. Pelo visto, os eminentes togados supremos atuais não têm o mesmo apreço pela obra de Vasconcelos. O que é uma pena.

quarta-feira, 21 de março de 2018

E AÍ, COMO É QUE FICA? LULA VAI OU NÃO PARA A CADEIA?


Não está fácil acompanhar pari passu a política tupiniquim, tamanha a rapidez com que fatos novos desatualizam notícias publicadas horas (ou até minutos) antes, mudando o cenário político como mudam as figuras num caleidoscópio. Daí eu ter inserido um aditamento na minha postagem de ontem e publicado uma atualização de status na minha comunidade de política ― que não reproduzi aqui no Blog ― a partir de informações d’O Antagonista e da coluna de Eliane Cantanhêde no ESTADÃO. Segue a transcrição do texto da jornalista, já que o link é de acesso restrito a assinantes do jornal:

“O nível de tensão no Supremo deve disparar ao grau máximo nesta terça-feira, durante uma reunião da ministra Cármen Lúcia com um grupo de colegas, sem pauta, sem horário pré-marcado e sem confirmação de presentes, deixando no ar a pesada e desagradável sensação de que será uma tentativa de emparedar a presidente da Corte, firmemente decidida a não facilitar a revisão da prisão após condenação em segunda instância.

Quem pediu a reunião (ou teria sido destacado pelos demais para pedi-la?) foi Celso de Mello, que não tem apenas o status de decano como é efetivamente um dos ministros mais técnicos e apartidários do Supremo ― além de ser próximo de Cármen Lúcia. O pedido, seu autor e o momento já dizem muito sobre o tema que deverá estar na mesa nesse encontro, com muitas especulações.

Daqui e dali, surgem notícias sobre o isolamento da presidente e isso começou numa data específica: a da condenação de Lula pelo TRF-4, abrindo a contagem de tempo para sua prisão. Quanto mais o cerco se fecha em torno do petralha, mais as pressões e as divergências internas aumentam no Supremo, em meio a intenso tiroteio entre o mundo petista, de um lado, e a opinião pública, do outro.

No teatro de operações, Cármen Lúcia se tornou personagem-chave, por deter uma arma poderosa: a pauta do plenário. É ela quem pode pôr em pauta a revisão da prisão em segunda instância, mas avisou que não poria, não pôs mesmo e já adianta que não porá. O ministro que quiser que ponha “em mesa”. Mas nenhum deles foi para a linha de frente.

Parte inferior do formulário
O ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin, não concedeu nem negou o habeas corpus preventivo de Lula e não assumiu colocar “em mesa” para o plenário julgar. O que ele fez? Deu declarações incisivas contra a revisão da prisão em segunda instância, decidida em três julgamentos recentes do Supremo, enquanto jogava a decisão no colo de Cármen Lúcia, para que ela decidisse se punha ou não em pauta a questão. Ontem, Gilmar Mendes deu mais uma lambada nos colegas, inclusive em Cármen Lúcia, declarando que HC é urgente por definição, tem de ser levado a plenário e o resultado, a favor ou contra, é uma outra história. Mas é aí que a porca torce o rabo.

Até a torcida do Corinthians sabe qual será a conclusão, se colocados em pauta o HC de Lula, o de um preso qualquer pela segunda instância, uma Ação Direta de Constitucionalidade ou, ainda, uma liminar em ADC: Gilmar muda o voto, inverte o resultado e não apenas Lula fica solto, mas centenas de outros atuais e futuros presos, da Lava-Jato ou não, também.

Em seu despacho ontem sobre a prisão do ex-executivo Gérson Almada, da Engevix, o juiz Sérgio Moro se referiu a “rumores” sobre o fim da prisão em segunda instância e fez uma defesa contundente dessa jurisprudência, destacando que uma revisão seria “desastrosa”. Segundo ele, o Brasil voltaria à época dos “processos sem fim e, na prática, da impunidade”, pois a previsão de que o condenado possa ser preso após decisão de um tribunal “acaba com o faz de conta das ações penais que nunca terminam, nas quais o trânsito em julgado é somente uma miragem e nas quais a prescrição e a impunidade são a realidade”.

Ainda segundo Moro, o fim da prisão em segunda instância não favoreceria apenas um condenado, mas todos os poderosos já presos e os que ainda receberão sentença por corrupção e lavagem de dinheiro em todo o território nacional ― pela Lava-Jato e não só por ela. Mais ou menos assim: os que estão presos saem, os que seriam não serão mais. Um paraíso para os condenados em segunda instância, mas um inferno para a sociedade brasileira, que defende o combate à corrupção e que a Justiça, enfim, seja igual para todos.

Pois bem, por volta da hora do almoço eu ouvi no “Momento da Política” (participação diária do jornalista Merval Pereira no CBN BRASIL) que a tal reunião não iria mais acontecer, o que me levou a publicar a informação (e o link para o áudio) nesta postagem. No início do programa, o âncora Carlos Alberto Sardenberg já ponderava que, até 1973, réus em ações penais eram presos assim que a sentença condenatória era proferida, mas, para livrar o rabo do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS, a Lei nº 5.941 alterou o Código de Processo Penal e garantiu ao réu primário e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade (e não por acaso ficou conhecida como Lei Fleury).

Observação: Até a conclusão deste texto (às 16h30 de ontem), Cármen Lúcia ainda não havia convidado seus pares para a tal reunião, mas estamos no Brasil, onde nem mesmo o passado é previsível.

Em sua coluna de ontem em O GLOBOMerval Pereira escreveu que o estranho caso das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) 43 e 44 ― que querem rever a decisão do STF sobre a possibilidade de prisão após decisão da segunda instância judicial ― revela bem as manobras de bastidores que objetivam realmente impedir que o ex-presidente Lula vá preso. O histórico da decisão mostra nitidamente os caminhos tortuosos trilhados dentro do STF e, sobretudo, a falta de urgência da matéria. O julgamento do habeas corpus que gerou, por maioria, a volta à jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância ocorreu em fevereiro de 2016, e em outubro as liminares das ADCs impetradas pelo PEN e pela OAB foram julgadas em plenário, quando se confirmou a decisão original. O relator foi o ministro Marco Aurélio Mello, que as colocou à disposição da pauta para votação do mérito mais de um ano depois (caso haja interesse e tempo, leia o voto do ministro Luiz Roberto Barroso).

No entanto, descobriu-se, mais de um após a decisão, que o acórdão daquele julgamento ainda não havia sido publicado, e, portanto, o ministro Marco Aurélio não poderia ter liberado o caso para julgamento. Todavia, a descoberta extemporânea propiciou ao Instituto Ibero Americano de Direito Público, amicus curiae na ação, entrar com embargos de declaração com efeitos infringentes para tentar modificar a decisão da Corte.

Paralelamente, também do nada, uma associação de advogados do Ceará entrou com um habeas corpus coletivo “contra ato omissivo da ministra Cármen Lúcia, por não pautar para julgamento o mérito das tais ADCs. O ministro Gilmar Mendes, sorteado para relatar esse HC, entende que a decisão do STF apenas aceita a prisão em segunda instância, mas não a torna obrigatória, mas rejeitou o pedido mesmo assim, por achar descabida interposição de um habeas corpus coletivo para um tema que tem que ser decidido caso a caso. 

Mas tem mais: Por ser contra uma decisão da presidente do Supremo, esse habeas corpus, segundo o regimento interno da Corte, deveria ser julgado pelo plenário, não pela 2ª Turma, onde a maioria é contra a prisão em segunda instância  inclusive o próprio Gilmar Mendes, que mudou de posição e hoje tende a apoiar a tese (de Dias Toffoli, o homem de Lula no STF) de que a prisão deve ser autorizada após decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Observação: A tese de Toffoli é discutível, pois pretende dar efeito suspensivo ao Recurso Especial, de competência do STJ, mas não ao Recurso Extraordinário, da alçada do STF. Volto a salientar que nem o REsp nem o RE se presta à revisão de matéria fática (como provas); no primeiro, de competência do STJ, discute-se eventual ofensa à legislação federal ou a tratados internacionais, ao passo que no segundo, de competência do STF, debate-se possíveis ofensas ao texto constitucional.

Uma coisa é certa: não há nenhuma urgência no tratamento da questão, a não ser a premência de uma solução antes da decretação do início do cumprimento da pena pelo ex-presidente Lula, que provavelmente ocorrerá na sessão do TRF-4 marcada para o próximo dia 26. Para o petralha, do ponto de vista político, seria até melhor ser preso e depois ser solto por um habeas corpus ou decisão em instância superior. Assim ele teria mais um elemento para compôr o discurso de que é uma vítima da Justiça e mobilizar sua tropa em torno da campanha eleitoral petista, seja lá quem venha a ser o candidato. Para o STF, no entanto, não há saída boa. Se a ministra Cármen Lúcia continuar resistindo e a questão não for a plenário, persistirá a incerteza jurídica. Caso aceite pautá-la ou ceda à tentativa de algum outro ministro para que seja colocada “em mesa”, deixará nítida a impressão de que o tribunal se curvou a Lula para “estancar a sangria” da Lava-Jato. Assim, tanto o Supremo quanto Cármen Lúcia estão em xeque.

Por último, mas não menos importante: Gaúchos de Bagé "não festejaram" a chegada da caravana de Lula na cidade (detalhes nesta publicação). Segundo O Globo, “o desanimado início da peregrinação do molusco criminoso pela Região Sul acendeu um alerta entre os petistas: o medo de o abatimento contaminar a militância às vésperas de uma definição do Judiciário sobre a liberdade do ex-presidente. O petralha foi confrontado por protestos e um número de seguidores aquém do esperado. Os organizadores já se pergunta se foi mesmo o melhor momento para passar por uma região em que o ex-presidente enfrenta forte resistência. Aliás, nem nas redes sociais a audiência dos atos vingou, mesmo com transmissão dos eventos ao vivo nas páginas de petistas de todo o país. Nem mesmo o encontro com o ex-presidente uruguaio José Mujica empolgou.

Observação: Os petistas apostavam que Lula passaria apenas uma semana preso, mas, segundo a Folha de S. Paulo, eles podem quebrar a cara: “Dirigentes mais velhos acreditam que a Justiça dificilmente o manteria na cadeia por muito tempo. Já aqueles mais familiarizados com os humores dos magistrados acreditam que, se o desgaste já é grande para os que buscam evitar a prisão, ele seria ainda maior na tentativa de soltá-lo.” O alerta é claro: ou os golpistas do STF arrumam um jeito de libertar imediatamente todos os criminosos condenados em segundo grau, ou Lula vai passar um bom tempo na cadeia.